sexta-feira, 24 de setembro de 2021

SONHOS E PERDAS >> Sandra Modesto

O sol atravessou a janela e o cheiro do café exalava o amanhecer.

Vitória tinha dezessete anos e era o tempo em rascunho. A adolescente morava com o pai desde os quatro anos de idade. Antônio era pedreiro e educava a filha bordando o enigma do jeito que a vida o ensinava. Nunca escondeu debaixo do tapete a verdade sobre a separação.

Vitória e o pai moravam num barraco desde que a mãe optou em não terminar de criar a filha. Vilma foi embora com o novo amor. Preferiu assim.

Trabalhando de pedreiro, o dinheiro mensal apertava aqui e ali.

Na casa simples, Antônio e Vitória inventavam um castelo.

Numa quinta – feira algo puxou o costumeiro diálogo.

_ Que tristeza é essa no olhar? Eu te conheço...

- Nada. Deixa pra lá.

Sim. Tanta coisa que nem a garota consegue explicar.

À noite eles mal se viam. Um corre-corre daqueles. Vitória ia do trabalho para a escola e chegava tarde. Nunca sem tempo de ganhar um jantarzinho caprichado.

Antes de dormir, uma conversa rápida seguida de um beijo de boa noite...

_ Bom dia pai!

_ Bom dia. Que animação é essa?

_ Pai, se liga. Depois do trampo, escola e balada! Hoje é sexta – feira. Eu tomo cuidado pai. Vai ser na casa da Maria. Já pensamos em tudo. A casa da Maria é meio pequena, mas retirando uns móveis, dá pra gente dançar.

O pai seguiu para o trabalho. Meio preocupado. Havia algo que não dava liga no coração do pai de adolescente...

Colocando os tijolos na casa que estava construindo, sem perceber, Antônio voltou os pensamentos para a filha. Lembrou – se dos treze anos criando a filha. Sozinho com uma menina para dar conta de educar.

            _ E agora? Pensava o pai. O que Vitória sentia? Será que tinha acontecido um momento desses. Desses... É, será que a filha ainda era virgem?  Vitória não deveria ser diferente das outras meninas que tinham dezessete anos. Antônio esperou pela filha. Dormiu tomado pelo cansaço... Num canto de uma rua, Vitória foi silenciada por um desconhecido.  _ Vem gostosa. Vem! ... Na casa de Vitória, uma omelete esfriou. Ela chegou.  Chorou lavando o corpo e os sonhos perdidos.

 


domingo, 15 de agosto de 2021

PARA TODO MAL, A CURA >> Sandra Modesto


 










Antecipo que meu texto é um choro alegre de acalanto. Com gosto de pão de queijo quentinho e café forte.

Uma conversa em volta da mesa forrada na toalha colorida. Por aqui tudo tem vida. Cheiro, livros espalhados e petiscos pra beliscar enquanto assistimos futebol, filmes, shows.

E jogamos gargalhadas fora.

Apesar de um caos no país, a gente registra em vários ângulos, momentos da vacina contra Covid. Nossas alegrias atuais.

Estou imunizada com as duas doses da AstraZeneca.

Marido com a primeira dose.

Minha filha, também.

Amanhã, vai ser outro dia.

O dia do meu filho se vacinar!

Esperanças de recomeços. Sons de pandeiro e cantorias.

E isso é tudo!

Um texto breve porque o domingo quer assim

domingo, 8 de agosto de 2021

IMENSO INVERNO >> Sandra Modesto

 No arrepio rebuscado, onde o frio é meu inimigo oculto, essa minha existência cheia de indagações, procura docemente, a memória de tudo o que eu vivi com o meu pai.

É domingo. Quase final. Quase alguma coisa. Na tela da TV, a seleção brasileira e a seleção da França disputam handebol.

Eu busco meu pai na poltrona que eu herdei. Rasgada pelo tempo, pedindo reformas, e, nessas costuras, há silêncios, choros de calmaria, ventos pelas fretas, janelas de vitrais, fechos pedindo um tempo.

Recordo tantos momentos, pai. A gente se encontrando no cinema- Cine Ituiutaba. Você não sabia que eu estava ali. Eu menti. O filme era (Lúcio Flávio, O Passageiro da Agonia- com Reginaldo Faria) Impróprio para menores de 18 anos. Eu tinha 16. 

O cinema não existe mais. Que saudades daquela hora, quando as luzes se acenderam, e pá!  Encontrei meu pai. Não levei bronca.

Minha relação com o meu pai, foi de amor. Intensa. Imensa no espaço de pouco tempo. Linhas a serem preenchidas. Meu pai era meu mundo.

Ele me presenteou com uma coleção de livros, de capa dura, do Jorge Amado. Eu, a leitora adolescente lendo – Capitães da Areia, Dona Flor e seus dois maridos, Jubiabá...

Meu pai assinava o Jornal- Folha de São Paulo. Sempre gostei de informações por causa disso. Ele não sabe, mas, tomei a segunda dose da vacina contra Covid.

Já agendei: Visitar a Praça São Benedito onde tem a escultura do “Zumbi dos Palmares”- projeto do meu pai, quando foi vereador. Ir à biblioteca municipal renovar minha carteirinha, doar livros, pegar um livro e renascer.

Na minha casa, tinha vitrola, rádio de pilha, filtro de barro, festas por nada, gente por toda a parte. Sou a primeira de cinco filhas. Minha mãe era branca. 

Ando por aí, pesquisando meus ancestrais. Eu não sei o que houve na  exatidão de um Carlos Modesto jovem, adolescente e menino. Hoje, sei do racismo estrutural. Nos avessos da história contada àquela época, o racismo era velado. Mas... "Nada mudou Pai".  Nada. Tudo piorou.

A gente podia marcar uma conversa no amanhecer do Domingo, com sol batendo à porta, no abraço imaginário dessa filha que flutua, dança sem coreografia, voa enraizada de amor. E, se nada for possível, eu olho pra o teto desse quarto em prosa e verso. Pego meus cacos sentimentais, canto Cartola bem alto, enquanto o gosto do sal pelas narinas descido do lacrimejar, bem acomodados ao encontro do infinito. *referência*- Cartola- Angenor de Oliveira. Cantor e compositor brasileiro. 1908/ 1980

domingo, 25 de julho de 2021

BLOCO DE NOTAS >> Sandra Modesto

 Ao acordar, depois da noite vadia, que invadiu meu sono, Senti um cheiro preso de um passado recente.

Era um perfume agridoce misturado às coisas do meu entrelaçar nesses dezesseis meses na vida nova. Imprevista.

Correndo dores. Choros sem despedidas. Álbum e esconderijo. Tenho lágrimas diárias diante de um país com feminicídios, gente passando fome, mulheres e crianças negras morrendo todos os dias.

É a coisa não tá preta. Porque se a coisa estivesse preta, a coisa estaria boa.
Pego um caderno. Minha memória dá um branco. Momentaneamente.

Nesse espaço entre manhãs e noites, o país pelo avesso. Entendo que, a Arte resiste. E nos Salva.

De maio a julho, na imensidão das leituras: O avesso da pele (Jeferson Tenório). Ao pó (Morgana Kretzmann). Os tais caquinhos (Natércia Pontes). Suíte Tóquio (Giovana Madalosso).  Copo vazio (Natalia Timerman) Risque esta palavra (Ana Maria Marques). Um buraco com meu nome (Jarid Arraes), Doramar ou a Odisseia (Itamar Vieira Júnior), Pequena coreografia do adeus (Aline Bei). Água de barrela (Eliane Alves Cruz). Apague a luz se for chorar (Fabiane Guimarães) A palavra que resta (Stenio Gardel), Homens pretos (não) choram (Stefano Volp).

 Assisti duas séries que me fizeram refletir: MANHÃS DE SETEMBRO- com a Liniker. COLÔNIA - Baseada no livro de Daniela Arbex: Holocausto brasileiro.

Recolho meus instantes e desligo o celular. Nessa madrugada de quinta- feira meio densa meio aflita.

* Esta crônica foi publicada hoje, no site cronicadodia.combr

 

 

sábado, 19 de junho de 2021

domingo, 13 de junho de 2021

ERA SÁBADO


 










Um dia desses, senti saudades de um texto escrito há algum tempo. O título do danado eu não sabia. Lembrei-me de um pedaço. Pesquisei e lá estava ele. Quentinho, no frescor do prenúncio de uma tarde, alegre, densa, nesse turbilhão de emoções envolvido por todas e todos nós.

ERA SÁBADO

Há tempos ela estava sozinha. Recriando alguns trechos comendo sonho comprado na padaria da esquina.

Apesar do gosto amargo dos dias... Intercalou doçura, rasgos e seguiu. Nessa metade do ano.

Era sábado. As lojas comerciais abertas, homens comprando ramalhetes de flores. Mulheres escolhendo camisetas lisas, cuecas, sapatos de verniz. Os detalhes das pessoas desistindo dos preços, a sensação do não presentear.

A calmaria foi movendo a cidade. A praça principal refletia o adeus solar. Apenas algumas pessoas observando os cenários. Fernanda e Pedro esbarraram um no outro...

_ Oi, desculpa, eu sou meio distraída.

_ Não foi nada, imagine.  

_ Pedro.

_ Fernanda.

Era sábado... Temporada de inverno quase chegando, e, no era uma vez, uns passos de diversidade. Imersos desafios. A vida tomava o silêncio, os corações bebiam de tudo o que há nessa vida.

Fernanda amava Teresa e Pedro amava Joaquim.

A cidade amanheceu. Igrejas lotadas, promessas a Deus dará.

“Abri o jornal, pausei pra fazer xixi”.

Do lado de cá, estou eu...

“Ah, se houvesse zero Homofobia.”

Do lado de fora, nas casas, nas ruas, na vida, o amor segue como instituição de família tradicional. Ainda há muita luta pra fortalecer o arco- íris.

Que ele- O Amor! Desenhe os dias.


NOVO LIVRO >> Sandra Modesto

 O TEMPO DA GENTE Começou a pré-venda do meu livro de poesias. A capa mais lindo do mundo! É só conferir...