No arrepio rebuscado, onde o frio é meu inimigo oculto, essa minha existência cheia de indagações, procura docemente, a memória de tudo o que eu vivi com o meu pai.
É domingo. Quase final. Quase alguma
coisa. Na tela da TV, a seleção brasileira e a seleção da França disputam
handebol.
Eu busco meu pai na poltrona que eu
herdei. Rasgada pelo tempo, pedindo reformas, e, nessas costuras, há silêncios,
choros de calmaria, ventos pelas fretas, janelas de vitrais, fechos pedindo um
tempo.
Recordo tantos momentos, pai. A gente
se encontrando no cinema- Cine Ituiutaba. Você não sabia que eu estava ali. Eu
menti. O filme era (Lúcio Flávio, O Passageiro da Agonia- com Reginaldo Faria)
Impróprio para menores de 18 anos. Eu tinha 16.
O cinema não existe mais. Que saudades
daquela hora, quando as luzes se acenderam, e pá! Encontrei meu pai.
Não levei bronca.
Minha relação com o meu pai, foi de
amor. Intensa. Imensa no espaço de pouco tempo. Linhas a serem preenchidas. Meu
pai era meu mundo.
Ele me presenteou com uma coleção de
livros, de capa dura, do Jorge Amado. Eu, a leitora adolescente lendo –
Capitães da Areia, Dona Flor e seus dois maridos, Jubiabá...
Meu pai assinava o Jornal- Folha de São
Paulo. Sempre gostei de informações por causa disso. Ele não sabe, mas, tomei a
segunda dose da vacina contra Covid.
Já agendei: Visitar a Praça São
Benedito onde tem a escultura do “Zumbi dos Palmares”- projeto do meu pai,
quando foi vereador. Ir à biblioteca municipal renovar minha carteirinha, doar
livros, pegar um livro e renascer.
Na minha casa, tinha vitrola, rádio de
pilha, filtro de barro, festas por nada, gente por toda a parte. Sou a primeira
de cinco filhas. Minha mãe era branca.
Ando por aí, pesquisando meus
ancestrais. Eu não sei o que houve na exatidão de um Carlos Modesto
jovem, adolescente e menino. Hoje, sei do racismo estrutural. Nos avessos da
história contada àquela época, o racismo era velado. Mas... "Nada mudou
Pai". Nada. Tudo piorou.
A gente podia marcar uma conversa no
amanhecer do Domingo, com sol batendo à porta, no abraço imaginário dessa filha
que flutua, dança sem coreografia, voa enraizada de amor. E, se nada for
possível, eu olho pra o teto desse quarto em prosa e verso. Pego meus cacos
sentimentais, canto Cartola bem alto, enquanto
o gosto do sal pelas narinas descido do lacrimejar, bem acomodados ao encontro
do infinito. *referência*-
Cartola- Angenor de Oliveira. Cantor e compositor brasileiro. 1908/ 1980
Nenhum comentário:
Postar um comentário
mensagem sobre a postagem com palavras simples, respeitosas e objetivas.