domingo, 21 de janeiro de 2024


 










Quarto turno

Eu soube há pouco tempo a respeito de um campeonato de ioiô.

Era uma tarde quase no final, mas o café esfriava, enquanto eu era apenas uma senhora de pernas pro ar escolhendo um filme para assistir.

De repente uma num voz de um jovem com mais de 1,90 cm:

“Mãe, você sabe onde vende ioiô”? Eu preciso muito.

_ Espera aí. Na lojinha da esquina tem. Chegando à lojinha, que vende tudo, o diálogo:

Moça tem ioiô?

Tem. É bom, né? Criança gosta. (risos). Se ela soubesse a idade de quem queria...

Na volta pra casa, já fui avisando.

Eu achei. Vai comprar.

Ele chegou e, parecia uma criança com o brinquedo enrolado nos dedos fazendo mil malabarismos. Observei a cena.

_ Mãe, eu participava de campeonatos de ioiô quando eu era criança. Venci muitos. Não lembra? A gente morava no bairro Junqueira, eu brincava na rua, um cara organizava os campeonatos, a molecada se divertia muito.

_ Não me lembro.

Ah, mãe, é porque, na época, você trabalhava quatro turnos.

Ele continuou brincando. Eu olhei para o tempo. Arrebatada com a descoberta do quarto turno. Sim, eu trabalhava o primeiro turno, o segundo turno, o terceiro turno. O quarto, bem, esse era o turno quando eu chegava à minha casa, organizava as tarefas domésticas, verificava tarefas escolares.

Cenários desse trabalho invisível, não remunerado, que a gente faz.

Por isso, atualmente, eu tenho a preguiça como uma grande companheira.

Daqui a 5 dias meus 63 anos vão chegar. Vou abrir a porta com um bolo da padaria.


segunda-feira, 4 de setembro de 2023

domingo, 27 de agosto de 2023

O BAR DOS MEUS SONHOS >> Sandra Modesto


 










Éramos jovens e no último dia das noites de sextas- feiras, o bar nos chamava. Risadas e embriaguez naquela turma, às vezes aquietava uma mulher, aquietava o cansaço de uma semana inteira à espera do encontro. Lá, era bonito. Catávamos esperanças, todas no mesmo espaço. Lembro-me de um violão, uma professora cantava fado. Um moço perto dos cinquenta anos. Pedia:

­_ Canta Reginaldo Rossi.

O moço gritava...

“Toca Raul”

Eu emendava:

_ Pode ser Chico Buarque?

O garçom, amigo de todas e todos, servia- nos, cantarolando baixinho:

“Já cansei de escutar centenas de casos de amor”

Pois então, seu garçom, cadê o Karaokê? A gente faz um desafio pra testar quem desafina melhor.

Eu só cantava chuva de prata porque meu tom é agudo.  Dizem né?

“Um beijo molhado de luz sela o nosso amor”

Mas eu sei de cor e canto com boa entonação, “O bêbado e o equilibrista”. No chuveiro, por causa da acústica do banheiro.

Ontem, quebrei um silêncio na sala e disse pra o meu filho:

O Tony Ramos não tem rede social e Glória Pires não tem Watsapp.

_ O Quê? Mãe! Caiu na gargalhada.

Gente é banal, eu sei. Aprendi a quebrar silêncios, para lembrar de bar.

À noite, não pedi ajuda e abri uma cerveja em lata. Não deu certo porque minha força não foi suficiente, achei um abridor. E o lacre caiu dentro do copo. E a cerveja estava quente.

Ainda bem que é o último domingo de agosto. Em setembro, volto com o bar, uns petiscos e muitos sonhos.


domingo, 6 de agosto de 2023

A VENDEDORA >> Sandra Modesto


 










A VENDEDORA (26 de junho de 2022)

Tudo começou em fevereiro quando eu anunciei pelas redes sociais: “Em breve"

Depois: "Lançamento em abril"

E o alvoroço se fez. Qual o produto que eu ia lançar? Eu me segurei no limite da ansiedade.

Recebi o PDF do livro para revisão, a foto da capa do livro, o miolo do livro. Tudo era livro. Tudo. Assim como a vida, que às vezes, nos leva  a pedir socorro

Bom, o "Era Sábado" é um livro de crônicas. Como divulgar o livro sem ele nas mãos? Eis minhas ideias...

A epígrafe é o trecho da letra de João e Maria de Chico Buarque e Sivuca. Eu postei uma imagem da música explicando que a primeira crônica do livro tinha o título da música.  

O David, da crônica “A Casa de Davi", é o meu vizinho pequerrucho, ele perdeu o vovô  no final de 2020. Chorou pela calçada da minha casa. Abri o portão, abracei- o bem forte e disse:

“Seu vovô morreu, mas estará sempre vivo aqui oh, dentro do seu coração."

Vi muitas meninas na  calçada da casa do David. Por  vários dias. Vieram para se despedir do avô. Fui até lá. Conversamos sobre sonhos, sobre o adolescer. Tiramos uma foto com o sol aberto, a luz estava linda. Divulguei a foto e contei sobre minha personagem da vida real.  Mas cadê o livro? Chegou dia 2 de maio. 4 de maio, lançamento virtual com o editor. Via Youtube.

O lançamento presencial foi dia 10. Com filho, marido, muitas professoras e muitos professores, muitas amigas do meu filho, me prestigiaram comprando o exemplar. 

Um dia antes, eu fui vacinada com a quarta dose da vacina. Ainda estou vendedora.

Pelo status do Watsapp, pelo Twitter, pelo story do Instagram. Dos 129 livros, 1 é meu. 128 livros. Restam 38. Calma, gente. Eu espalhei livros.

Nas bibliotecas de rua, na biblioteca da fundação cultural do bairro onde eu moro, na biblioteca municipal, presenteei quem não pode comprar, fiz parcerias, sou a autora que pariu o terceiro livro. Cuido dele. Porque para ficar vivo na memória é precioso muito cuidado.

O mais bacana é receber fotos dos leitores com o livro e suas leituras sobre minhas crônicas.

E assim é Era Sábado. Com jeito de gentes. 

Por enquanto, preparando o quarto livro.

“De novo com a coluna ereta, Juntar os cacos, ir à luta

Manter o rumo e a cadência

“Esconjurar a ignorância, que tal”? (Chico Buarque de Holanda e Hamilton de Holanda)

 


domingo, 11 de junho de 2023

SOBRE UMA VOLTA AO PASSADO >> Sandra Modesto

 











Sobre uma volta ao passado.

No final dos anos setenta, minha mãe ficou preocupada e, conversando com uma amiga que vira e mexe estava lá em casa, confessou:

“Não sei o que eu faço com a Sandra, quando ela casar. Ela não sabe nada de dona de casa. Não sabe cozinha. E nem quer aprender. Fico preocupada.”

O que minha mãe queria ouvir era uma concordância e uma ajuda. Mas...

“Jacinta, sua filha é das letras”. Você ainda não entendeu?

Um sol ameno naquele mês de junho. Naquela tarde as duas amigas tomavam chá de canela e comiam biscoito frito de polvilho. O centro da mesa forrada com toalha xadrez, às xícaras esmaltadas, uma moça de 17 anos com mania de ouvir conversa de adulto às escondidas, ligou o rádio, pegou um caderno e escreveu a primeira crônica. Sem saber de gênero literário, sabia apenas que a conversa entre a mãe e dona Luísa, gerou vários pensamentos.

Nos anos oitenta, a filha da dona Jacinta escolheu o curso de Letras.

Pois então...

Ao ver a filha estudando a mãe confessou:

“Filha estuda mesmo. Para ter uma profissão e não depender de dinheiro de marido.”

A vida tem lá seus encantos.  Nesta tarde fria, leio um livro, corro até a cozinha e tomo café forte, com pão de queijo, um bolo de fubá. Quem preparou o café foi meu marido, mãe. Ando muito ocupada. Porque estou preparando o meu novo livro.


domingo, 12 de fevereiro de 2023

SINTONIA >> Sandra Modesto

 SINTONIA

De vez em quando, enquanto meu marido prepara o almoço,
O cheiro do arroz afogado perfumando minha sala, o lugar onde eu pensava:
" Minha crônica!"
Corri à cozinha e, numa caixa de som enorme tocava sintonia. ( Moraes Moreira)
Sim, temos vinil, CD, vitrola e caixa de som amplificada.
A música corria alta. Minha vontade também.
Agarrei meu marido e a gente dançou agarradinhos.
Podia ser uma marchinha de carnaval, né?
Mas abraçar colando o corpo, num roçar pela nuca, cheiro de pele cruzando com alho e cebola, beijo pra arrepiar os 32 anos juntos numa história. Nenhum casamento é perfeito. Mas música, beijo gostoso e um eu te amo nas entrelinhas
...
Não esperem o amor de vocês tomarem a iniciativa.
Agarrem o amor de vocês.
Se possível, ao som de sintonia.
" Que é nesse vai e vem
Nesse vai e vem
Que a gente se dá bem
Que a gente se atrapalha"


  Quarto turno Eu soube há pouco tempo a respeito de um campeonato de ioiô. Era uma tarde quase no final, mas o café esfriava, enquanto ...