SAIR
DE MANHÃ E TOMAR UM SOL
24
de outubro de 2020 – Recebi uma mensagem da minha prima, Gilca, que mora em São
Bernardo do Campo.
Eu,
acostumada com notícias tristes no ritmo do frenesi atual, já sofri um trem.
“Trem” no vocabulário mineiro tem vários significados. No caso daquele dia, meu
trem imaginou a estação do “ruim”.
Li.
Um convite para a defesa de doutorado. Que trem bão! Por causa da pandemia a
transmissão seria virtual. Agradeci, gritei, mandei emojis. Foi uma tarde feliz
de sábado. Como se a vida estivesse renascendo. E a janela namorasse o interior
da minha casa.
Minha
família é rodeada por mulheres. Tenho primas espalhadas nas páginas de um
livro, nas fotografias, na observância das conquistas.
26
de outubro às 14h, o link pra eu assistir. A transmissão via Meet, não sabia
muito como era o tal meet, mas tenho o aplicativo no celular. Pedi ajuda e
entrei.
Minha
prima sendo avaliada pela banca de professores, uma plateia do lado de cá. Eu
me emocionando feito menina grande.
A
Gilca foi aprovada. Tese: Fundamento
Filosófico da Pedagogia Multirracial: Propostas dos Movimentos Negros do Rio de
Janeiro e Santa Catarina (1980- 2000)
Tenho uma prima negra, linda, batalhadora, e a
partir daquele momento, Dra.
Este
título significa mais que uma conquista, é muito trabalho árduo e ternura.
Houve
um momento em que eu chorei ao assistir à cerimônia. A Gilca disse...
“Eu
passei meses e meses me dedicando ao trabalho, foram noites e dias pesquisando,
agradeço aos meus orientadores, e ofereço meu título, à minha mãe”. “Ela tem 87
anos, não teve oportunidades de estudo, mas sentava ao meu lado e perguntava sempre
se estava tudo certo”.
Embargou
a voz...
“Eu só sei que estou precisando sair de manhã
e tomar um sol. Há muito tempo eu não vejo o sol.”
Eu
aplaudi. Ninguém ouviu porque meus aplausos foram sem o celular.
Aprendi
que minha prima tem razão.
É
preciso sair de manhã e tomar um sol.
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