domingo, 21 de março de 2021

Crônica do dia >> Sandra Modesto

 

NUNCA MAIS

Minha última conversa virtual com Wania, foi há dois meses.

Wania chegou à minha vida quando eu tinha vinte e dois anos.

Antes disso, eu tinha nascido no verão. Minha mãe se contorceu o dia todo pra eu sair pela vagina dela. No final da tarde, com a parteira, minha mãe deu graças a Deus. Um sol teimoso desenhando a janela no alívio, na casa pequena, no interior de Minas onde há luar.

Minha infância teve algumas indelicadezas machucando meus pés, minha adolescência correu um pouco de mim e meu diário eu escondia sempre. Uma história presa mal desejada.

Wania esperava desvendar minhas linhas. Pelo menos. Eu, estudante de Letras, e foi assim a vida com Wania. A gente era professora e aluna, mas os laços foram se amarrando cada vez que ela encantava literatura brasileira e linguística. Uma tremenda audiência naqueles anos oitenta.

Entendi então que ao me formar eu queria ser igual à Wania. Ela tinha brilho nos olhos quando falava.  Poxa, empolgar daquele jeito os trinta e cinco alunos – trinta mulheres e cinco homens, só Wania.  

Após terminar os horários a turma ia para o bar. Tirávamos o cansaço no apogeu das cervejas, risadas e som com violão. Wania gostava de cantar fado. Mas o Chico Buarque esteve ligadinho nas nossas farras, histórias e closes marcantes vida a fora.

Na manhã estranha indecisa entre a angústia e a peste no dia 25 de fevereiro de 2021, Eu estava lavando um amontoado de louças. Eram quase onze horas. De repente, parei e fui pra sala. Sentei no sofá.

Laércio chegou perto e me mostrou uma foto no celular. Ele disse:

“Olha quem morreu”

Era o sorriso no rosto marcado e brilho no olhar. WANIA.

Conversei com minhas amigas do grupo de formandos de 1985. Apesar do isolamento e todos os cuidados ela não resistiu ao vírus.

Não consegui chorar. Reli o prefácio escrito por ela no meu segundo livro.

Anoitecia quando olhei março. Imaginei-me uma chuva. E chorei. Como se a chuva fechasse minha dor.

 

 

 


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