quarta-feira, 24 de junho de 2020

Se eu não morrer amanhã >> Sandra Modesto

 Um trecho da minha crônica de hoje, no Jornal de Caruaru

Se eu não morrer amanha

Será irrelevante.  A casa estará meio bagunçada.

Difusa entre o comer todos os pães de queijo e o andar lento feito vento da estação.

Se eu não morrer amanhã, talvez o sol esteja aberto. O inverno meio indeciso. Na minha cidade com temperaturas sempre altas, às vezes o frio aparece.

Danço, leio, e sou meio eloquente. Quase sempre eu fico meio confusa e penso alto: “Eu não tolero gente feita para não sonhar”.  

E o povo na internet com a frase de ordem na quarentena: “Você precisa se reinventar”

PÔ vem cá? Se eu não morrer amanhã, eu vou continuar a conviver com isso?

Inventar já é difícil caro amigo.

Há três meses eu me viro no meu isolamento. Tenho ilusões, escrevo imaginando boas notícias que nunca chegam ao noticiário. Desisto.

Se eu não morrer amanhã...

Desculpem- me. Não vou fazer mesa de madeira para espantar minha tristeza. Não vou aprender a bordar pelo aplicativo.

Eu tenho meus inventos. O tempo todo inventando. Criando histórias, arrematando ficção e realidade nesse inventar das palavras.

Se eu não morrer amanha, eu não serei um número novo na estatística das mortes lentas e apressadas dessa gripezinha transfigurada em pandemia.

Leia – se gripezinha para quem não cuida do povo, COVID - 19 para os que enterram os seus mortos, chorando a pancada das perdas de tantos amores.

Por enquanto...

Leia mais...
Se eu não morrer amanha Será irrelevante. A casa estará meio bagunçada. Difusa entre o comer todos os pães de queijo e o andar lento feito vento da estação. Se eu não morrer amanhã, talvez o sol esteja aberto. O inverno meio indeciso. Na minha cidade com temperaturas sempre altas, às vezes o frio aparece. Danço, leio, e sou meio eloquente. Quase sempre eu fico meio confusa e penso alto: “Eu não tolero gente feita para não sonhar”. E o povo na internet com a frase de ordem na quarentena: “Você precisa se reinventar” PÔ vem cá? Se eu não morrer amanhã, eu vou continuar a conviver com isso? Inventar já é difícil caro amigo. Há três meses eu me viro no meu isolamento. Tenho ilusões, escrevo imaginando boas notícias que nunca chegam ao noticiário. Desisto. Se eu não morrer amanhã... Desculpem- me. Não vou fazer mesa de madeira para espantar minha tristeza. Não vou aprender a bordar pelo aplicativo. Eu tenho meus inventos. O tempo todo inventando. Criando histórias, arrematando ficção e realidade nesse inventar das palavras. Se eu não morrer amanha, eu não serei um número novo na estatística das mortes lentas e apressadas dessa gripezinha transfigurada em pandemia. Leia – se gripezinha para quem não cuida do povo, COVID - 19 para os que enterram os seus mortos, chorando a pancada das perdas de tantos amores. Por enquanto...

domingo, 21 de junho de 2020

Playlist >> Petiscos de Domingo



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DIA DE LAVÍNIA >> Sandra Modesto



Em 2017, Lavínia esteve aqui em casa. Antes de vê - la percebi que era ela. Só de ouvir os passos apressados de Lavínia. Uma menina. Tinha seis anos. Inventou um nome: Lalá.

Ela não é minha neta, não é minha sobrinha, uma prima envolvendo laços de ternura, por toda a parte.

Lavínia chegou e foi direto para rede que eu tenho na área onde tem uma máquina de lavar roupas. Um cachorro no quintal, e tudo o mais. Quimeras de uma casa.

Fui brincar com Lavínia. Balançamos na rede e registramos nossos momentos em fotos digitais.

Ofereci frutas.

- Quer maça?

- Depois eu quero. Só um pedaço.

- Quer bolachas?

Ela abriu um sorrisão. Abri o armário e peguei um pacote de bolachas de chocolate. Fechado. Entreguei pra ela.

Eu tinha um compromisso. Fui ao meu quarto pegar a bolsa.

Lavínia me acompanhou. Observava meus detalhes quando eu procurava um batom e não sabia em qual bolsa. Achei. Peguei uma maquiagem e não consegui abrir a embalagem. (Sempre apanho disso).

- Ah, não, eu nunca consigo abrir esse “trem”,

- Deixa eu ver.( Ela disse e pegou das minhas mãos.)

Virou as costas e saiu do quarto. Foi até o corredor próximo ao mesmo. Voltou rapidinho. Questão de segundos.

- Aqui. Abri.

Eu fiquei admirada com a facilidade e agilidade de Lavínia.

Prossegui pegando minhas coisas, parecendo uma máquina elétrica ou a vapor. Não sei. Lavínia me olhou e disse: Eu quero ser a Sandra.

 “Oh, Lavínia, tenho a certeza que eu sim, queria ser você.”

Lalá fez nove anos. Dia 2 de junho de 2020. É uma menina espichada cheia de cachos nos cabelos.

 Autora: Sandra Modesto


domingo, 14 de junho de 2020

João e Maria >>> Sandra Modesto

João e Maria

Maria acorda e encara o espelho desses comprados no camelô.

Sobre a mesa apertada nos dois cômodos da casa, alguns pães amanhecidos.

 Prepara o café. Engole o caos da luta.

João mora do outro lado da rua em meio à desigualdade social esquecida.

Maria e João possuem uma força bruta.

 Vão ao mercado do outro lado da cidade. Com máscaras pretas rezam para não serem confundidos.

No Brasil, preto tem cara de bandido. João e Maria sempre deram um jeito no verbo suportar...

Suportar o sol, a chuva, atropelos, dissabores. Os boletos chegando. O trabalho informal pedindo socorro.

Maria e João em seus barracos.

O pai de João está tossindo. Os dois trocam olhares preocupados.

No barraco de Maria, o filho pequeno pede colo, o do meio desenha no papel, a menina de onze anos fala baixinho:

_ Mãe, se eu tivesse um computador com internet...

Estudar pelo celular... Tá difícil, mãe.

_ É filha, por enquanto o computador não dá pra comprar.

_ Vamos comer pão com ovos e tomates? Pra espantar as tristezas. Quer?

_ Quero!

Antes de dormir, olham o desenho no papel. Seis mãos entrelaçadas

Mãe e filhos se alimentam de sonhos pequenos.

E assim termina o dia. Começa o dia.

 Nem preciso contar mais.

Tudo está por um triz.

Ainda ontem morreu um menino negro.

Link:

http://www.cronicadodia.com.br/2020/06/joao-e-maria-sandra-modesto.html


sexta-feira, 12 de junho de 2020

quarta-feira, 10 de junho de 2020

Linda agora dorme >> Sandra Modesto

Acordou. Olhou – Se. Marcas.

Recordou quando decidiam por ela

A dor oculta

Mas era linda. Ninguém percebeu

Pegou o primeiro vinil em meio a tantos outros. Na vitrola a voz de um homem.

Caetano cantava: LINDA. 

Linda se redescobriu em plena pandemia.

Sentiu - se estrela.

Liga o som numa plataforma

Canta no karaokê

Não é hora de sofrer

Sorri. “merda”! Eu sou linda.

Mas...

*trecho da minha crônica de hoje no Jornal de Caruaru*l 

Leia mais :

https://jornaldecaruaru.com.br/2020/06/cronica-do-dia-linda-agora-dorme-por-sandra-modesto/


domingo, 7 de junho de 2020

Vende - se sonhos>> Sandra Modesto

Leia meu texto escrito em setembro de 2019.

Bom dia! O texto foi escrito em setembro do ano passado. Por considerar a fome um problema social muito grave, resolvi compartilhar o texto com vocês! Bom domingo! Cuidem- se. 
Boa leitura! 

#cronicadehoje
#vendesesonhos
#petiscosdedomingo

VENDE- SE SONHOS
Os meninos sentiam fome
As meninas sentiam fome
As velhas e os velhos sentiam fome.
A rua inteira
A cidade inteira
O país não sabia.
O dono da padaria levou pães.
Uma vizinha doou o que podia
Aquele povo com tanta fome
Virou manchete de jornais.
Alguém leu.
Muitos leitores e espectadores entenderam
Havia numa rua bem distante da fome
Vários perfis de humanos.
Era numa cidade mineira onde tudo ocorria.
Lentamente ou apressadamente.
Corria.
Tudo se desatou a melhorar
Na hora do café da tarde
Quem sentia fome foi convidado:
 “Você que gosta de comer pão recheado de doce de leite condensado, e redondinho, venha comer.” 
Um caminhão grande buscou a população faminta.
Numa mesa enorme
Um cartaz:
 “Aqui não vendemos porcarias
“ Vendemos sonhos. ”
E toda a cidade sorriu.
Sandra Modesto

Biblioteca virtual do Elicer Minas

https://elicer.com.br/_escritores/sonhos-e-perdas-e-outros-contos/