quarta-feira, 15 de abril de 2020

Fragmentos de uma quarentena

Fragmentos de uma quarentena

Jornal de Caruaru

Vigésimo primeiro dia...

Meu filho convidou para assistirmos "O Poço”
Play na Netflix e o filme começou.
Ficamos sentados lado a lado.
15 minutos e ele pausa.
_ O que você entendeu até agora?


Olhei para o teto, para as paredes. "Para tudo que eu quero sumir daqui”. Pensei apavorada.
_ Fala mãe.
Lasquei:
É uma crítica social. É a cobrança da sociedade, do sistema?! (ai)
 _ Isso, mãe.
Prosseguimos com o filme. Às vezes eu não entendia nada, de repente, sim. E vamos que vamos!
O Poço terminou.
_ Bem interessante Gabriel. Mas tem muita gente que me disse que o filme era ruim. Só que não...
 “Mãe, esse povo é muito ligado em números de prêmios do Oscar, o elenco tem que ser famoso”. Mas você entendeu a importância do filme? Nos leva a refletir sobre várias situações.
- Nossa! Refleti bastante.
Fui ao fim do poço e voltei...

Quem mandou educar um filho dialogando sempre? Resultado: É um questionador.

Vigésimo segundo dia...
Pesquisei alguns filmes pra eu assistir. Na Netflix, não!
Mas minha filha acordou me indicando vários. Eu: Ah, tá, vou assistir. Vou assistir.
Sentei na rede que fica na área de serviço. Adoro balançar na rede. Desde criança. Mal comecei a espairecer, mandei as costas na churrasqueira, a danada caiu. O carvão se espalhou pelo chão, varri, catei, limpei com o pano molhado, respirei.
Nesse ínterim, a Carla:
_ Mãe, essa mesa aqui ocupando espaço. Pode doar.
Também acho. Já queria há muito tempo.
Cinco minutos depois...
_ Já falou com alguém, mãe?
Vou falar. Calma, Carla. Tem muita gente que precisa de uma mesa assim. Você tem razão.
Meu marido preparou o almoço. A Petra e o Lacan se estranhando. (Petra é um buldogue e o Lacan um vira latas).
Depois fizeram as pazes.

Resolvi fugir um pouco do noticiário.

Vigésimo terceiro dia

Um domingo marrento. Eu não me aguento.  Perco – me diante de um tempo quente.  Temperatura acima dos trinta graus. Atualizo os números de mortes e suspeitos do vírus. Desesperança.

O almoço desce devagar, reviro minha coleção de discos de vinil. Coloco na vitrola “Acabou Chorare” com a turma de Os novos baianos- 1972.

Entro em sintonia e danço para espantar a tristeza.  Depois canto bem alto: Preta Pretinha.  No fundo bem no fundo, e sem saber o motivo, ouvir, cantar e dançar o vinil me pareceu uma tristeza antecipada.

Vigésimo quarto dia

“Morre aos 72 anos, Moraes Moreira”.

Manchete de todos os jornais e telejornais de uma segunda – feira. O país ficou mais triste. Eu me acabei em prantos.

 

“LÁ VEM O BRASIL DESCENDO A LADEIRA”

Link...

https://jornaldecaruaru.com.br/2020/04/cronica-do-dia-fragmentos-de-uma-quarentena-por-sandra-modesto/?fbclid=IwAR2xGJ3uTXta0sxEi05UTUYNl07P-7pY7JHlP-_0QHO9WGXhwJ8qsiy7UA0

 


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