BENTO
As
noites de Ana eram sempre iguais desde criança quando ainda sonhava em colocar
perna na boneca quebrada. O pai entrava no quarto, deitava na cama e beijava
Ana com a língua. Apalpava os seios, feito o cara chamado tarado. Pelo menos,
era esse o nome que as meninas da quarta série primária da escola da vila
ouviam pelos corredores na rispidez do recreio: “Olha, o tarado pega na bundinha da gente, e põe o negócio duro pra
fora, cuidado.”.
Aos
15 anos, a menina desejou comer manga verde com sal.
A
avó lembrou-se do genro pelas madrugadas, o diabo rondava no coração daquele
monstro. Era lá, onde o inferno morava. Ana agora olhava para o berço do
menino. Odiava a barriga esticando mês a mês.
Não
era esse o sonho. Se um dia tivesse filho o nome seria Bento.
As
manhãs entremeadas por longos silêncios.
Um
verão covarde. Assim como a existência desse mundo.
A
avó estendia roupas num quintal sujo.
Pisando
no meio adeus, a menina pegou o revólver na gaveta do pai.
O
berço, os peitos cheios de leite. Uma santa quebrada. Dois tiros.
No
dia seguinte, a notícia no primeiro bloco do programa Chumbo Grosso.
–
Tudo bem, filha?
–
Tudo.
A
mãe desnorteada cobriu o corpo da filha.
E
lavou o corpo com o sangue.
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