Daqui a dois meses, no dia 31 de dezembro do ano estarrecido, corroído no vazio de muitas famílias, como cantar em coro, adeus ano velho feliz ano novo?
O ano velho levou para sempre, os que não estarão
na última festa.
Dá pra dizer feliz ano novo olhando a mesa
incompleta? Cadeiras vazias, olhares disfarçados tentando os risos fracos. Porque
a vovó não está ali, o avô, as tias, os tios, a amiga, o amigo.
A professora que contou histórias, as conversas
marcantes, agora distantes demais.
Elas e eles viraram covas. Nas seiscentas e sete mil
vidas perdidas, seria espanto, reforçar que quatrocentos mil pessoas poderiam
estar vivas? Por isso meu bem, no último dia de dois mil e vinte um, recolha
sua dor, não ignore a miséria do Brasil, saboreie devagar ao comer pedaços de
lombo assado, lembre- se das pessoas comendo osso, catando comida no lixo, e se
puder, assuma sua estranha paixão pela vida.
Naquela mesa incompleta. O forro branco escorrendo
pelos cantos.
O feliz ano novo será meio assim, implacável na
canção destoada. Feliz ano novo?
Não. Cada um vai chorar em silêncio
E recolher as sobras das saudades.