sábado, 29 de agosto de 2020

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Ruas Nuas

Sandra Modesto

A mulher caminha dentro de si. Há sempre um espaço que a incomoda. Mas nada adianta. Olhar as próprias ruas cerceadas na casa. Só, a mulher buscando os beijos separados diante do novo cenário. Os abraços ainda fomentados por lembranças do último momento, quando tudo era tão físico.

Chora, senta, liga o celular, as brechas da paixão estateladas. Agora o amor arde, pede passagem, e nada pode. Não pode o encontro, não pode rasgar o mundo em sonhos Apenas ensaiar a música que cantaram no bar onde tudo começou.

Às vezes a solidão faz companhia. Hoje teve chamada de vídeo. De longe os sentimentos se embaraçam, dúvidas, estranhezas, o amor é utópico, o amor é insensatez. Ninguém é capaz de amar do mesmo jeito.

Ela joga a calcinha nova numa gaveta e busca a chave. Quis uma trepada boa antes de março, não deu. Foi preciso buscar um novo olhar para aquele amor que há meses, dilacera muitas vontades procurando silêncios e respostas.

E se...

Se ele viesse com máscara, só pra dizer que depois do fim da clausura, os orgasmos, a fluidez dos beijos... Gemidos e lambidas voltariam?

Por acaso o porteiro trouxe uma encomenda. Uma carta de amor. Há tempos não lia uma carta de amor tão ridícula, escrita à mão?

Ela pega. Dança pela sala, joga perfume nos cabelos, toma o vinho tinto, lê aos berros:

“Nossos sonhos ávidos ainda serão reais”

 A partir daquele momento a solidão virou um quadro desenhado ao vivo.

A mulher nua na nova rua

 Lambuza-se e acaricia partes do corpo. Fecha a porta do quarto.

Enquanto o amor rola embriagado matando saudades.

https://revistacult.uol.com.br/home/ruas-nuas/

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Declame para Drummond

 Compartilho com vocês:

Fui autora selecionada no projeto 

DECLAME PARA DRUMMOND 2020.

https://www.instagram.com/p/CEKxJVcloDJ/?igshid=18qqh91jvmk60

Será Online por vídeo poema na pág do Instagram. @declameparadrummond

#poesia

#Drummond

Beijos 😘


domingo, 16 de agosto de 2020

Petiscos de Domingo



 

Degustar de palavras.

A última vez que nos falamos foi no começo de junho.
Não, em julho eu mostrei o anteprojeto do livro.
Aí, dei um tempo.
Mas voltei! E domingo é dia de leveza. Textos curtos, pitorescos, como se estivéssemos bem perto. Entrem aqui...

A estante morava lá fora. Estava triste. Velha e de madeira.
Parei, e só, via a ocupação histórica, ela é herança. Há anos no abandono. De doer o coração. Mas exclamei que ela precisava sair do quarto onde nem o Chico gostava.
Gente, ela virou uma lindeza.
Meu marido tirou a poeira, envernizou, ele e meu filho carregaram a danada para minha área de serviço. Que tem uma mesa de pedra, a máquina de lavar, uma rede que não é virtual. É lá que eu tomo sol, leio. E balanço feito criança.

Com a estante no novo espaço rolou uma criatividade. A ração do Chico, os livros de matemática, os produtos de limpeza, no lugarzinho. Com plantinhas e porta retrato também.

A estante agora faz parte do presente. Tem cheiro de vida.
Virou crônica.  Casa tem alma. É o centro da história. O mundo agora é a casa.

Bom domingo!

Sandra Modesto

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

domingo, 9 de agosto de 2020

A Última crônica >> Sandra Modesto

 Crônica inédita publicada hoje no site cronicadodia.com.br

Domingo sempre mostra algo nostálgico. Fico meio borocochô. Brigo comigo, faço as pazes, volto e depois me aprisiono. E o Brasil está triste. Cada dia mais triste. Resolvi contar um pouco da minha história...

Eu sou a filha mais velha de um casamento Inter - racial.

Imagino as inúmeras situações racistas sofridas pelo Carlos. Meu pai chamava – se Carlos.

Quando ele alcançou uma posição social com um salário melhor, usava muitos perfumes, ternos de linho, abotoaduras, inúmeras canetas. O colecionador de sonhos.

O racismo estrutural estava lá, escancarado. Em momentos inesquecíveis...

Nos anos setenta, o diretor do clube social recreativo disse não, quando meu pai quis ser sócio.  A resposta: - “Aqui é só para gente branca.”.

Dez anos depois os acionistas da elite migraram para outro clube mais requintado. E o diretor mudou de ideia. Meu pai conseguiu comprar. Eu e minhas irmãs íamos.  O Carlos nunca frequentou.

.Nunca me esqueci de uma cena: A primeira vez que vi meu pai chorar. Eu tinha vinte e sete anos. Até então, pensava que homem não chorava.

Compreendi. Meu pai não era tão forte, era frágil, era humano, era meu pai.

Na janela entreaberta do meu quarto, abro meu armário e lá estão alguns terninhos de linho que usei quando fui jornalista, assessora de imprensa. Pego o paletó xadrez que herdei do meu pai. Customizado porque tirei as mangas e apertei a cintura.  Tiro meu pijama, visto o blazer. Olho meus perfumes. Escolho um. Fico cheirosa.

Já escrevi várias crônicas para o meu pai.

Hoje é a última

 A última crônica.

Vou ali, ajeitar uma foto no aparador. E chorar um pouco. 

Biblioteca virtual do Elicer Minas

https://elicer.com.br/_escritores/sonhos-e-perdas-e-outros-contos/