Santa Iracema
Na reza de todos os dias, tudo era para o povo de uma pequena cidade.
Uma mulher benzedeira, algumas dores, quando tudo se encolheu, a terra distante abasteceu-se de histórias de todos os cantos.
“Vó! De novo? Reza comigo, fia. E pega o terço”. Maria bocejava e obedecia.
Em Santa Iracema era assim. Às seis horas da tarde tudo era sagrado. O povo parava para ligar o rádio e todo santo dia, a ladainha espalhava-se no pequeno vilarejo. As famílias crentes numa fé na cura de todas as dores. Produziam alimentos com vontade. Hortas nos quintais, folhas de alface que serviam para acalmar, couve, e muito funcho porque cólicas dos bebês nascidos ali, o chá sossegava o sono, o choro, aliviava o cansaço das mães. Vó Cândida era pura devoção. Além do terço, frequentava o pai de santo, entendia Deus como semelhança das gentes de Santa Iracema. Mal o sol se entendia pela janela, toda a vizinhança se achegava feito colcha de retalhos cobrindo a encruzilhada da vida.
Aos poucos muitas pessoas deixavam o vilarejo. Maria também.
E o tempo corria. MAS “fazer o quê”? Cada um tem um dom de ser livre, voar e, talvez, voltar. Surpreender, contar muito com poucas palavras. Sem afogar a memória.
“Bença, Vó”.
Todas as noites longe de Santa Iracema, Maria falava um tiquinho com a avó. Cândida abençoava sempre. Escondia as saudades da menina sem mãe, pai desconhecido, porém, coberta de amor pela doçura de um viver. Com afetos e o céu alumiando, no sobe e desce de cada amanhecer. O vilarejo tomou novos ares. Pessoas novas indo embora, pessoas mais velhas segurando os nós de quem ficava.
O doce feito no tacho, a banha do porco, as hortaliças frescas nos arredores de Santa Iracema. No estalar de dedos, os anos romperam-se... Teresa entrou na história de Maria.
Era muito tarde, quando na porta, vó Cândida ouviu três batidas. Lentamente os passos conseguiram abrir a porta de madeira.
Maria foi assuntando sobre a visitante.
Sabe vó, vim te apresentar , Teresa.
Sem responder com palavras, apenas o abraço foi o suficiente.
Risadas pelo ar. Jantar com sabor regado por tanta coisa gostosa.
Naquela noite, o céu tinha um azul meio sonolento. Meio cansado, talvez, anunciava um adeus.
Maria olha dona Cândida observando a doce forma daquela ligação de tantos momentos. Antes do fim, Cândida sorriu para Maria e Teresa.
Quando o sol desencantou o brilho, Santa Iracema perdeu o encanto.
Duas mulheres esperavam o trem na estação mais próxima.
O tempo não corta tudo. Resiste a cada instante. Porque dança, enlaça, costura infinitos afetos.
Seria isso o coração pulsando? Um abraçar permeado nas expressões.
“Vó”! “Fia”!
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