domingo, 16 de junho de 2024

Bento

 

BENTO

 

As noites de Ana eram sempre iguais desde criança quando ainda sonhava em colocar perna na boneca quebrada. O pai entrava no quarto, deitava na cama e beijava Ana com a língua. Apalpava os seios, feito o cara chamado tarado. Pelo menos, era esse o nome que as meninas da quarta série primária da escola da vila ouviam pelos corredores na rispidez do recreio: “Olha, o tarado pega na bundinha da gente, e põe o negócio duro pra fora, cuidado.”.

Aos 15 anos, a menina desejou comer manga verde com sal.

A avó lembrou-se do genro pelas madrugadas, o diabo rondava no coração daquele monstro. Era lá, onde o inferno morava. Ana agora olhava para o berço do menino. Odiava a barriga esticando mês a mês.

Não era esse o sonho. Se um dia tivesse filho o nome seria Bento.

As manhãs entremeadas por longos silêncios.

Um verão covarde. Assim como a existência desse mundo.

A avó estendia roupas num quintal sujo.

Pisando no meio adeus, a menina pegou o revólver na gaveta do pai.

O berço, os peitos cheios de leite. Uma santa quebrada. Dois tiros.

No dia seguinte, a notícia no primeiro bloco do programa Chumbo Grosso.

– Tudo bem, filha?

– Tudo.

A mãe desnorteada cobriu o corpo da filha.

E lavou o corpo com o sangue.

 


Bento

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