quarta-feira, 2 de março de 2022

NATUREZA >> Sandra Modesto


 







Esparramava- se de vez em quando. Nascia em galhos.Verdes. Em folhas que curavam dores, em infusão, acalmavam peles, viravam chás. Curavam feridas e fechavam lágrimas das mães.

Quando secos, retorciam quebrados e olhavam cheios de medos o fogo que matava- os.

Carregava- se de frutas. Frutos das famílias com quintais. Sem veneno, com afeto. Esparramava-se de vez em quando. Os braços acarinhando o filho, fortalecendo a filha. Nesse esparramar, virava jardim suspenso. Pernas pelas paredes, muros em fotografias de cidade em cidade.  De tanto espichar píncaros da natureza, refestelava a língua para brotar por várias estações. Espia pela janela um par de roupas em farrapos, lembra-se da vizinha transformadora de peças velhas fazendo sorrir as moças, que a partir daquela hora, sentiam – se bonitas, calmas como ramalhetes.

No meio do dia, peço ajuda ao sol. E o ritmo de um farfalhar me faz árvore à busca da delicadeza perdida.

Porque desaprendo, ignoro pedras rolantes, toco a lentidão e sinto pela primeira vez, sou efêmera. Espicho num chão da sala meus troncos à mesa rústica, que alguns dizem ser um banco, eu não sento, para mim, é mesa. Pequena, muito rica na arte com os pés de raízes.

Espio a cama de uma mulher, ela agradece minha companhia. E me abraça esguia, parece forte como os galhos ainda não esmagados.  A mulher de repente, venha a ser eu.

Esparramo- me de vez em quando. E de tempo em tempo, volto a florir.

 A mesinha centenária ocupa a história, vasta de personagens, transforma – se em peça principal e se ocupa de livros. Mais uma vez, espicho meus troncos já meio doídos, mas doidos para viver um pouco mais.  Esparramo meus pés nos vãos abertos da mesinha. É um exercício memorial. Agarro páginas, uma nuvem insiste um anoitecer final. Também sei gargalhar. Minha risada é tão alta que transborda os mais tímidos silêncios. Invento uma bailarina, e livre, sem música, sigo a dança do vento lá fora.


Imagem: Pixabay


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