domingo, 26 de dezembro de 2021

ROSA EM EDIÇÃO >> Sandra Modesto

 Rosa estava fugindo de notícias ruins.  Acordou meio desanimada.  E num cansaço estranho voltou a dormir. Sonhou... Uma notícia boa num jornal.

Arrumou um tempinho e se espalhou.

Preferiu as rosas. Elas não falam, mas há o desmedido amor manso dos girassóis. Rosa não preteriu – se.

Gritou. Havia silenciado por tantas vezes. 

Quis inventar. Qualquer linha, qualquer embaraço alguns escritos. Lá fora, o mundo grita por mim? O despertar ofegante e o texto surgiram sem fuga.  

Os minutos estão fragmentados. Pessoas morando nas ruas. Crianças trabalhando, governo sem planos de vacinação infantil.  O que é isso Brasil!

Difícil escrever senta na poltrona, desiste. Insiste. Esquece o teclado. Usa bloquinhos de papel.

Na imaginação fértil de um útero poético, Rosa imagina- se uma fotógrafa registrando as ruas por onde passa. As luas. O raio tão forte e o namoro de duas mulheres em praça pública.  Cenas de cinema. Porque na vida real, há tabus. Rosa adormece.

Ao acordar enfrenta o noticiário. “Um nó no peito em dó maior” (Verso do texto, “A dor da gente” escrito por mim).

Rosa faz xixi e corre do espelho.  É ele que escancara quando a moça que passa o café, vê no reflexo de dentro, uma vontade imensa de mudar a história. Um livro marcado na penúltima página. Escrito em letras garrafais, um espetáculo permeado por liberdades.   Num sábado cretino, uma solidão que avança o tempo. Um caderno, uma prateleira empoeirada, uma alergia pequena.

Apenas a certeza seria a hora da morte do ultimo ato ou capítulo, ou algo capaz de atormentar o leitor, o espectador, o paraíso proibido ficaria explícito numa vulgar edição.

Nada é inédito. Restam apenas os dentes passados no fio dental. Uma câmera imaginária atravessa uma possível filosofia de botequim. Rosa sabia das dores de uma mulher. Escreveu e contou tudo antes do morrer dos dias. Tudo é brisa. É merda. Aplausos ou nada.


 

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