sábado, 27 de março de 2021

PONTO DE PARTIDA >> Sandra Modesto

 No ponto do ônibus em que Carolina esperava sempre pra ir pra casa, depois de um longo dia de trabalho, aglomerados sonhos densos e mesmo assim, no corre da vida, ela estava ali doída de saudades diárias.

 

Igual a tanta gente, tantos caminhos, tantos desejos a percorrer nessa busca rebuscando os traços de tantas feridas.

O que Carolina podia? Chegar e receber os carinhos do filho miúdo e do marido que tinha feito o jantar.

 

Quereres despido das emoções presas.

Marcos, o marido, o via a hora de Carolina chegar.

 

Quando ela apontava na esquina abaixo, ele sentia o cheiro de jasmim.

A pressa daquela noite estava diferente. O outono estava com temperaturas de verão. Carolina, quase chegando.

passavam das onze horas, Marcoso sentiu o cheiro de Carolina.

 Algm bate à porta. Marcos coloca a comida pra esquentar às pressas.

Abre o coração pra receber Carolina.  Mas, ela o veio.

Era algm, Marcos não conhecia. Apenas ouviu algumas palavras que jamais esquecera;

_ Senhor Marcos Santos? Só falta um corpo pra ser reconhecido. Queira me acompanhar.

Tudo rodopiou ao derredor.

O amanhecer no IML. Os cheiros de mortes no ar.

Um menino de quatro anos acordou estabanado pela casa perguntando pela mãe.

A partida tem sempre um ponto.

 

domingo, 21 de março de 2021

Crônica do dia >> Sandra Modesto

 

NUNCA MAIS

Minha última conversa virtual com Wania, foi há dois meses.

Wania chegou à minha vida quando eu tinha vinte e dois anos.

Antes disso, eu tinha nascido no verão. Minha mãe se contorceu o dia todo pra eu sair pela vagina dela. No final da tarde, com a parteira, minha mãe deu graças a Deus. Um sol teimoso desenhando a janela no alívio, na casa pequena, no interior de Minas onde há luar.

Minha infância teve algumas indelicadezas machucando meus pés, minha adolescência correu um pouco de mim e meu diário eu escondia sempre. Uma história presa mal desejada.

Wania esperava desvendar minhas linhas. Pelo menos. Eu, estudante de Letras, e foi assim a vida com Wania. A gente era professora e aluna, mas os laços foram se amarrando cada vez que ela encantava literatura brasileira e linguística. Uma tremenda audiência naqueles anos oitenta.

Entendi então que ao me formar eu queria ser igual à Wania. Ela tinha brilho nos olhos quando falava.  Poxa, empolgar daquele jeito os trinta e cinco alunos – trinta mulheres e cinco homens, só Wania.  

Após terminar os horários a turma ia para o bar. Tirávamos o cansaço no apogeu das cervejas, risadas e som com violão. Wania gostava de cantar fado. Mas o Chico Buarque esteve ligadinho nas nossas farras, histórias e closes marcantes vida a fora.

Na manhã estranha indecisa entre a angústia e a peste no dia 25 de fevereiro de 2021, Eu estava lavando um amontoado de louças. Eram quase onze horas. De repente, parei e fui pra sala. Sentei no sofá.

Laércio chegou perto e me mostrou uma foto no celular. Ele disse:

“Olha quem morreu”

Era o sorriso no rosto marcado e brilho no olhar. WANIA.

Conversei com minhas amigas do grupo de formandos de 1985. Apesar do isolamento e todos os cuidados ela não resistiu ao vírus.

Não consegui chorar. Reli o prefácio escrito por ela no meu segundo livro.

Anoitecia quando olhei março. Imaginei-me uma chuva. E chorei. Como se a chuva fechasse minha dor.

 

 

 


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