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QUANDO O OUTONO CHEGOU
Fiquei nos últimos
dias, lembrando o que eu ia fazer no outono.
“Via-me nas ruas, com meus óculos escuros
comprados em dez prestações”.
Na minha rotina tão sonhada caberia tudo! Voltaria
com minhas caminhadas ao ar livre. Visitaria bibliotecas. Também iria numa
revistaria comprar exemplares do mês.
Minha vida no outono
seria totalmente ativa. Enriquecedora.
Mas as águas de março romperam tudo.
Mal chegou o outono e tudo ficou nublado.
Mas as águas de março romperam tudo.
Mal chegou o outono e tudo ficou nublado.
Na minha cidade, ruas
vazias. Ninguém pega a mão de ninguém, o cumprimentar diário típico dos
mineiros, desapareceu.
Dentro de casa, uma
rotina abrupta, estranheza em tempos hostis. Um tempo doentio enfiado na
história da gente. Agora é diferente, agora estranheza, agora com ponto de
exclamação!
Pego roupas no cesto
coloco na máquina de lavar. Até a máquina resolve parar. Doze anos de uso.
Coitada, no barulho ensurdecedor, leva o dia inteiro para o processo completar
a lavada.
Preciso comprar uma
máquina nova. Não posso escolher na loja
porque está fechada. A fatura do cartão de crédito me impede de uma compra
virtual.
Os salários estão
arrastados. As pessoas estão em completa histeria. Surto. Somos três nessa casa
e as tarefas estão divididas.
Meu cachorro late
pouco. Parece triste. “Tudo mudou”.
De repente eu tive
que descobrir dentro de mim uma força crucial. Sempre fui caseira, mas uns
barezinhos com o marido, rever os amigos, isso sim. Nada mais...
Meu tempo está bem longe dos meus sonhos. Mas
seja lá como for se é para o vírus sumir, o jeito é encarar o novo lugar que
por ora, mora no meu cotidiano. Não sei até quando. Não sabemos. O meu cuidar é
meu. Tenho quase sessenta anos, estou no linear do grupo de risco.
Mas nas favelas das cidades grandes, sem água,
sem nada, os riscos multiplicam - se. Gente que dorme pelas ruas, não tem
comida, nem água, nem sabão. Sei que sou uma privilegiada. Engulo minha
insensatez. Choro. Só.
Sigo por aqui
caminhando pela casa, arrumando livros na estante, lendo, vendo alguns filmes.
Há partes boas na minha história nova.
A vida não é um outono
imaginado. Enfio goela abaixo um ciclo de surpresas inesperadas.
Aguardo boas novas á
espera do inverno. Quem sabe.
*Crônica publicada no Jornal de Caruaru*
https://jornaldecaruaru.com.br/2020/03/cronica-do-dia-quando-o-outono-chegou-por-sandra-modesto/
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