terça-feira, 1 de agosto de 2017

UM CASO A GOSTO DO FREGUÊS >> Sandra Modesto


N o começo de junho sabe aqueles dias de temperatura maluca?
Pela manhã, tempo frio, à tarde um sol quente e durante a noite só a gosto de Deus?
Eu fui ao centro da cidade atualizar minha agenda:
Dentista, ótica, e, tinha vinte reais na carteira.
Peço um táxi pra ganhar tempo? Vou de ônibus pra economizar?
A segunda opção me agradou mais.
Muita gente aguardando o transporte público, conversa vai, conversa vem.
- Sabe se o Nadime Derze já passou?
- Passou há uns minutinhos. Respondi.
 Era um garoto. Saquei o desânimo no olhar dele ao ouvir minha resposta.
- O próximo demora muito? (perguntei)
- Uns quarenta minutos.
Chegou uma estudante. Vi que era universitária. Usava moletons e uma mochila.
- Você viu se o Ituiutaba clube já passou?
- Não. Estou esperando por ele. Daqui a pouco ele vem.
Observei que todos nós usávamos celulares. Conectados!
Chega uma mulher quase gritando em alto e bom tom:
- Que isso eu hein? Eu queria um picolé, mas, o "picolezeiro"  está muito fedido. Que nojo! Não compro de jeito nenhum! Parece que nunca usou desodorante na vida!
- Desculpa, minha senhora, eu nem a conheço. Só acho que falar isso é muito estranho. A senhora está atrapalhando as vendas de um senhor e o mais grave: Sendo preconceituosa e desumana. A senhora sabe se ele tem dinheiro pra comprar desodorante? Conhece a realidade dele?
- Que isso minha filha, meu avô morreu com oitenta e cinco anos e sempre viveu cheirosinho.
- Cada caso é um caso. Não junte a história de quem a senhora conviveu a vida toda com quem a senhora acabou de ver. Por falar nisso, eu vou até lá confirmar o cheiro dele.
Fui. Aproximei-me do senhor. Bem próxima cumprimentei. Perguntei o nome, a idade, o bairro em que morava, se era aposentado.
- Sou aposentado minha fia. Mas eu vendo os “picolé” pra ajudar a pagar as continha, comprar uma carninha. É isso aqui que ajuda.
O senhor vendedor de picolés, não estava cheirando nada. A não ser o perfume de alguém que segue a vida sem ter tido oportunidades. Aos sessenta e oito anos ele aparenta bem mais. A pele bem marcada com rugas e manchas de sol. Se ele não tem dinheiro pra comprar desodorantes é sarcástico pensar que ele tenha dinheiro ou gastará seu mísero rendimento com protetor solar.
Disse tchau desejei boas vendas e que o inverno fica mais complicado, mas, que a temperatura em Ituiutaba ia esquentar logo, logo.
Voltei ao ponto de ônibus e olhei pra quem tinha desdenhado do trabalhador que não usava desodorante:
- Engraçado, eu não senti mau cheiro. Acho que meu nariz está entupido.
Sandra Modesto

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