domingo, 29 de maio de 2016

Texto, narração, dúvida.

Petiscos de domingo- À volta.
Sinopse
Uma garota que queria só um pouco da vida não esperava viver tanto.
O conto abaixo narra a história de Vitória.
Ela e as vinte e quatro horas antes de se deparar com o universo.
Em alguns momentos a personagem principal fala um pouco. Mas tem gente que também ajuda à narrativa.
A autora consegue contar por meio de metáforas, sinestesia e realidades envolver o leitor.
Neste primeiro texto do domingo idealizado para ler algo diferente alguns "petiscos".
Então a gente escreve. Olhos na tela:

Será que ela vai?

Primeiro veio o sol.

Depois a chuva. Como podia? Vitória se espantava com a força da natureza.

- A gente acorda aberta animada disposta e vem a água pra impedir nossos planos...
- Espera menina daqui a pouco o sol volta. Pode deixar que eu preparo o pão na chapa e o chá de camomila.
- Chá? De camomila?
- Ai tá vendo? Olha uma reação surgindo. É só uma brincadeira. Vamos, levanta que a frigideira já espera pela gente.
- Ah, e o leite com chocolate também.
- Tá bom pai já vai.
Vitória e seu companheiro, o pai, moravam num barraco desde que a mãe optou em não terminar de criar a filha. Vilma foi embora com o novo amor. Preferiu assim.
- Pai? Tá pronto? Estou morrendo de fome!
Os dois tomaram o tradicional lanche da manhã daquela quinta-feira, maio de 2016.
A filha foi para o trabalho na loja de brinquedos. Á noite ela estudava no colégio do bairro mesmo. Quase no final do ensino médio. Ia tentar ingressar no curso superior de serviço social.
- Vai ser muito bom. Em 2018 eu vou realizar meu sonho. Uma universidade! Não vejo a hora. Pensava alto sempre que pegava os livros pra estudar.
- Filha, vem almoçar. Hoje deu tempo e eu caprichei. Meu chefe me liberou mais cedo.
- Que delícia! Omelete dos ricos!
-Não, Vitória, do pobre mesmo. É que quando se faz com amor, tudo fica mais gostoso.
- É...
- Que tristeza é essa no olhar? Eu te conheço...
- Nada. Deixa pra lá. Coisa de adolescente.
- Eu entendo. Mais ou menos. Não sou muito um pai lá essas coisas, mas deve passar muita coisa na cabeça e no coração de uma garota de dezesseis anos.
- Sim. Tanta coisa que nem a garota consegue explicar.
- Tchau, pai.
O pai, que por acaso se chamava Antônio, se despediu da filha, lavou os pratos rapidamente e correu pra continuar a construção. Antônio era pedreiro. Na cidade paulista afastada do grande centro, o ramo da construção civil crescia consideravelmente. 
Á noite eles mal se viam. Um corre-corre daqueles. Vitória ia do trabalho pra escola e chegava tarde. Nunca sem tempo de ganhar um jantarzinho caprichado, arroz branco com ovo frito molinho e feijão, uma verdurinha com uma saladinha. Os dois adoravam.
Antes de dormir, uma conversinha rápida seguida de um beijo de boa noite.

Sexta feira- A inesperada. 
-Bom dia pai! Te amo muito!
- Bom dia, te amo. Que animação é essa?
- Pai, se liga. Trabalhinho, escola e balada! Eu tomo cuidado pai. E chego cedo, você sabe.
- Sei. Vocês jovens não conseguem viver sem a tal da festinha da sexta.
-Hoje vai ser na casa da Mariana. Já pensamos em tudo. Luzes coloridas, um pandeiro, muito samba, e funk também, Vai ser massa.
- A casa da Mariana é meio pequena, mas retirando uns móveis, dá pra gente dançar até!
-Cuidado Vitória, não adianta tentar mentir, eu sei que você não vai deixar de tomar uns goles de cerveja...
-Engano seu, pai. Eu só vou beber quando entrar pra faculdade, naquele dia que a galera se reúne, até lá já vou ter 18, quase 19 anos...
- Eu confio em você Vitória. Agora vamos!
Colocando os tijolos na casa que estava construindo, sem perceber, Antônio voltou os pensamentos para filha. Lembrou que ela já era uma adolescente e que tentava oferecer a ela, muito amor, desde os quatro anos de idade. Ele se deparou sozinho com uma menina para dar conta de educar.
- E agora? O que Vitória sentia? Será que tinha acontecido um momento desses. Desses... É, será que a filha ainda era virgem?
- Estamos em tempos bem modernos. Vitória não deveria ser diferente das meninas que tinham dezesseis anos. E meio.
Em meio há tantas dúvidas, o pai estava tão distraído que errou a mão e colocou a massa no lugar errado da churrasqueira de alvenaria. Tijolos. Meu Deus! Vou ter que fazer essa parte de novo...
Na hora do almoço corrido, Vitória não chegou. E não chegou, não chegou.
Ao voltar da loja pra almoçar com o pai, Vitória ficou interrompida em todos os sonhos, da primeira vez, o primeiro amor de verdade, os beijos quentes, o primeiro sutiã que ela não ia tirar a calcinha nova, rendas, decotes íntimos. Parecia uma avalanche. Um eclipse solar. Uma guerra? Um ponto final? Eram trinta. Os sonhos da primeira transa, foram por água abaixo. Um ataque de famintos que não se contentava em ver pelas ruas da cidade, uma garota usando um vestido curto, um batom vermelho, uma maquiagem.
- Mulher quando nasce pra ser sem vergonha, merece. Aqui, aqui, olha a bunda, pega os peitinhos, vem pessoal, vamo junto, ela gosta. Ela gosta.
E na mesa do almoço de pai e filha, uma omelete de dar água na boca. Queijo, salsicha, milho verde, ervilha, maionese e extrato de tomate.
- Ai, quando minha filha chegar vai se empanturrar. Vai até atrasar pra voltar para o trabalho. Ela sempre elogia quando eu capricho. Vai adorar!
Será que ela vai?
Sandra Modesto.




 

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