terça-feira, 18 de março de 2025

SANTA IRACEMA >> Sandra Modesto

 Santa Iracema

Na reza de todos os dias, tudo era para o povo de uma pequena cidade.

Uma mulher benzedeira, algumas dores, quando tudo se encolheu, a terra distante abasteceu-se de histórias de todos os cantos.  

 “Vó! De novo? Reza comigo, fia. E pega o terço”. Maria bocejava e obedecia.

Em Santa Iracema era assim. Às seis horas da tarde tudo era sagrado. O povo parava para ligar o rádio e todo santo dia, a ladainha espalhava-se no pequeno vilarejo. As famílias crentes numa fé na cura de todas as dores. Produziam alimentos com vontade. Hortas nos quintais, folhas de alface que serviam para acalmar, couve, e muito funcho porque cólicas dos bebês nascidos ali, o chá sossegava o sono, o choro, aliviava o cansaço das mães. Vó Cândida era pura devoção. Além do terço, frequentava o pai de santo, entendia Deus como semelhança das gentes de Santa Iracema. Mal o sol se entendia pela janela, toda a vizinhança se achegava feito colcha de retalhos cobrindo a encruzilhada da vida.

Aos poucos muitas pessoas deixavam o vilarejo. Maria também.

E o tempo corria. MAS “fazer o quê”? Cada um tem um dom de ser livre, voar e, talvez, voltar. Surpreender, contar muito com poucas palavras. Sem afogar a memória.

“Bença, Vó”.

Todas as noites longe de Santa Iracema, Maria falava um tiquinho com a avó. Cândida abençoava sempre. Escondia as saudades da menina sem mãe, pai desconhecido, porém, coberta de amor pela doçura de um viver.  Com afetos e o céu alumiando, no sobe e desce de cada amanhecer. O vilarejo tomou novos ares. Pessoas novas indo embora, pessoas mais velhas segurando os nós de quem ficava.

O doce feito no tacho, a banha do porco, as hortaliças frescas nos arredores de Santa Iracema. No estalar de dedos, os anos romperam-se... Teresa entrou na história de Maria.  

Era muito tarde, quando na porta, vó Cândida ouviu três batidas. Lentamente os passos conseguiram abrir a porta de madeira.

 Maria foi assuntando sobre a visitante.

 Sabe vó, vim te apresentar , Teresa.

Sem responder com palavras, apenas o abraço foi o suficiente.

Risadas pelo ar. Jantar com sabor regado por tanta coisa gostosa.

Naquela noite, o céu tinha um azul meio sonolento. Meio cansado, talvez, anunciava um adeus.

Maria olha dona Cândida observando a doce forma daquela ligação de tantos momentos. Antes do fim, Cândida sorriu para Maria e Teresa.

Quando o sol desencantou o brilho, Santa Iracema perdeu o encanto.

Duas mulheres esperavam o trem na estação mais próxima.  

O tempo não corta tudo. Resiste a cada instante. Porque dança, enlaça, costura infinitos afetos.

Seria isso o coração pulsando? Um abraçar permeado nas expressões.

“Vó”! “Fia”!


NAQUELA ESTAÇÃO>> Sandra Modesto

  Naquela estação Eu tinha 15 anos e uma noite perdida no tempo. Era inverno, era uma festa de despedida na escola. Quase todos me notaram e...