Naquela mesa
Os dezembros não são os mesmos desde a Pandemia. No
dia 31 de dezembro do ano estarrecido, corroído no vazio de muitas famílias, como
cantar em coro, adeus ano velho feliz ano novo?
O ano velho levou para sempre, os que não estarão
na última festa.
Dá pra dizer feliz ano novo olhando a mesa
incompleta? Cadeiras vazias, olhares disfarçados tentando os risos fracos. Porque
a vovó não está ali, o avô, as tias, os tios, a amiga, o amigo.
A professora que contou histórias, as conversas
marcantes, agora distantes demais.
Elas e eles viraram covas. Nas setecentas mil vidas
perdidas, seria espanto, reforçar que quatrocentos mil pessoas poderiam estar
vivas? Por isso meu bem, no último dia de todos os anos, recolha sua dor, não
ignore a miséria do Brasil de 2019/2022. Saboreie devagar ao comer pedaços de
lombo assado, lembre- se que durante o governo do inelegível, pessoas
enfrentaram a fila do osso. Cataram comida no lixo.
E se puder, assuma sua estranha paixão pela vida.
Naquela mesa incompleta. O forro branco escorrendo
pelos cantos.
O feliz ano novo será meio assim, implacável na
canção destoada. Feliz ano novo?
Não. Cada um vai chorar em silêncio
E recolher as sobras das saudades.