Vila Despedaçada
Eu
morava distante da Vila. Quando a cidade amanhecia, minha vida puxava caminhos
diante do ângulo juvenil.
Uma
professora meio perdida no magistério sonhador. Sempre um anseio em não ser
igual ao que era imposto pelo início dos anos oitenta.
E,
enquanto o Brasil era medo, minha cidade alimentava em mim, planos a médio
tempo. Tudo corria em construção. Tudo.
Mas
comecei a entender os cortes dos sonhos, por frestas dos caminhos na cidade, na
época, com oitenta mil habitantes. No embate e interrogações da Ditadura
Militar.
Tive
que chorar com o acontecimento na vila Natal, dia seis de abril de 1984.
Era
noite. Um prenúncio de lua na ponta do céu. Apressei meus passos porque o meu
descanso era sempre um banho com água escorrendo na nuca, mesmo sabedora de uma
mulher mãe. Abri o portão apressadamente.
Cheguei e vi meu pai, minha mãe, minhas irmãs
se olhando. Num abril morno, impreciso. Diante do caos, minha filha pedindo o
afago de sempre, abracei- a para desapertar a crueza da vida.
Conferindo
os rumos pelos quais muita gente desaparece, mastiguei pouco a pouco os sinais
dos sofrimentos.
Numa
cidade agrícola, oito mil habitantes trabalhavam na colheita de algodão.
De repente, reportagem completa pela TV, a
manchete estatelada no jornal impresso de circulação nacional.
Era
a vila se aproximando de mim, situando em meus vinte e quatro anos o que era ter
privilégio e o que era ser pobre.
As
notícias sendo atualizadas. O número de desaparecidos subia. Corpos sendo
reconhecidos. Famílias velando seus amores numa mesma sala.
O
espaço foi pouco. O ritual da despedida expandiu – se pela escola pública mais
perto. Morte espalhada.
A
pobreza foi um prato frio que desceu na Vila Natal.
Trinta
e oito anos depois, a vila já é Bairro. Moro próximo a ele.
Mas
a vila desse meu lugar é um troço que me engasga. Pedaços por pedaços.
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