domingo, 24 de julho de 2022

CONSTRUÇÃO >> Sandra Modesto

 De tarde o barulho se aquieta. Depois das cinco e meia, que é quando a empreitada entoa a canção da despedida.

Amanhã começa tudo de novo, mas pode ser com outros acordes. Porque o som da britadeira, dos operários passando a pá de cal com força pelo patamar. Raspando as mãos como se fossem quadros de arte, respingando tintas pela janela do meu quarto, zonzo e inocente. Eu sentei mirando naquele espetáculo bêbado os cacos de telha voando na minha cama.   

Quisera eu soubesse quanto tempo duraria a eternidade.

Nessa garupa desse veículo chamado vida.

Antes dessa história, antes desses dias. Mas deixa eu contar o início...

Moramos numa casa há treze anos. Uma pré-adolescência afinal, envolta em planos de marcar as linhas do coração. Como se a morada fosse o corpo da gente. Que fala, ouve, canta, lê e silencia.

Barulheira agitando meu cérebro, escuridão em três quartos e banheiros. Luzes acesas por que o sol fugiu, esmagando o brilho devorado em quase duas estações.

A gente teve uma conversa e a possibilidade de procurar outro canto pra viver entrou no jogo. Mas ainda tinha sol no quintal imenso, o Chico Buarque Modesto brilhava e se encantava. No jardim, também.

Foi quando afinamos a voz em um último som decisivo: “Vamos ficar por enquanto”.

A paixão pela casa. Como se fosse única.

E isso me possibilitou a ideia de conversar com os pedreiros. São eles que constroem tijolo por tijolo num desenho mágico.

 

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