domingo, 2 de maio de 2021

NÃO ENTERRE MEUS FILHOS >> Sandra Modesto

 

A porta não estava fechada quando eu me aproximei do meu filho pra dar boa noite. O edredom embolado. Mas os cachos dos cabelos eu beijei.

Quando amanhece sempre depois das dez, me enterneço com o interrogatório da filha que mora em outra cidade.

_ Mãe, tudo bem?

_ Mãe, que dia você vai vacinar? Já sabe?

Respondo tudo.

Eu chorei ardido com o sal envolto no adeus a minha mãe

Ela não viu muitos netos virando marmanjos

Não abraçou as largas vitórias e derrotas das netas. Não riu com a bisneta.

Eu perdi os embaraços possíveis e suaves e neuróticos dos capítulos nesse espaço dos vinte e três anos sem minha mãe.

Não sei quem é Deus. Uma imagem, uma força, um guia? Um guru?

Penso que ele é um amanhã.  Uma brusca tarde no meio da minha busca grotesca.

Já me disseram que Deus é pai. Os deuses de muitas gentes. Cada pessoa tem um.

O meu é o embate invisível me socorrendo ao saber das perdas de tantas mães perdendo suas crias.

No acalanto busco o manto pra o meu filho e volto a beijar os cachos. Acordo buscando fotos da minha filha. O tempo é manso.

 Muitas vezes entendo o humor no amor. Nesse vai e vem de uma mãe imperfeita.

_ Mãe, tudo bem?

_ Tudo bem filha. Como está seu domingo?

meu filho acorda querendo uma torta de pão de forma sem frango desfiado.

_ Você não acha melhor um deliver?

_ Mãe!

 

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